segunda-feira, 9 de março de 2009

gOOD fRIDAy

Seus olhos de “amarela” completavam o décimo terceiro dia sem dormir, e o tom rubi deles vinha tanto da luz da lâmpada fluorescente usada para iluminar as miúdas letras do livro como de sua sensação de vácuo na alma. Sua insônia era algo que fortalecia o seu sentimento de TPM eterna. Um humor ácido e intragável, uma postura anti-social inigualável. Um não bem-querer por toda e qualquer coisa que tivesse a cor laranja, lembrasse o sol. A única pessoa de seus poucos contatos, o dono da loja de conveniência do posto de gasolina próximo de sua casa, gostava disso, lucrava com isso. Os atendentes sentiam um grande mal estar só de olhar aquela pessoa irritante entrando, quase a suplicar outro pacote de Marlboros. Ninguém mais ousava falar nada após a cena em que a simpática atendente que disse talvez a nicotina e a cafeína as causas das noites não – mal dormidas. Um ou outro chocolate meio amargo (e poderia ser outro sabor) fazia parte de suas compras.
Eram dias estranhos, entediantes, embotados, com teclas do controle remoto desbotando. Dias que foram completamente alterados com uma rádio sintonizada por acaso. Um som antigo que despertou um sentimento totalmente novo, um sentimento de “eu poderia ir, eu poderia dançar e tomar um uísque e depois voltar, talvez dormisse, ou talvez nem ligasse para o depois”. Despertado o sentimento de poder ser una novamente. Uma nova possibilidade de comportamento. E se ela tentasse, somente tentasse colocar seus tênis All Star marrons, sua bolsa pseudo-moderna, uma camiseta, calças e make-up noturno.
Um banho demorado, com cada parte de sua pele sentindo a bucha vegetal encharcada de sabonete, água morna e shampoo nos cabelos. O frio da torneira do chuveiro a impulsionava para as ruas. Como preparando-se para uma cerimônia passou hidratante pelo corpo, permitindo-se excitar com o toque de suas mãos. Roupas, tênis, secador, para os olhos: delineador e rímel e um pouco de sombra preta. Para o rosto base e blush, finalizando com gloss. Brincos e bottons na bolsa, que estava equipada com toda e qualquer coisa que por ventura fosse necessária.
As chaves funcionaram o carro. Pensou que os dias de garagem obrigariam um pedido de socorro ao vizinho devido algum problema na bateria, mas não. O ronco do motor cansado era tranqüilizante e fortalecedor. Faróis altos, som com músicas aleatórias e os pneus deslizaram pela irregular camada de asfalto.
O brilho vindo dos postes, letreiros de cores duvidosas e semáforos. Tons de amarelo e vermelho brilhando em outros veículos, o hodômetro mudava de dígitos como o relógio de seu pulso – uma estranha e saborosa pulsação.
A dúvida de sempre: e para onde aquelas pessoas estariam indo? De onde vindo? Teriam deixado em casa alguém para quem voltar? Sentia o vento que entrava pela janela do carro como uma carícia, e por enquanto aguardava o sinal naquela avenida abarrotada pensou em voltar. As buzinas ensurdecedoras fizeram que, mecanicamente, continuasse.
Facilmente achou uma vaga em frente ao único lugar que conhecia que poderia dançar por horas e horas e se sentir em casa – um pub tipicamente inferninho. Interpretou como um sinal santo de aprovação de sua atitude.
- Droga!!! Ainda falta mais de 30 minutos para abrir o bar!
Resolveu esperar num outro bar qualquer. Não faria diferença. Sentou num canto, iluminada por olhares de casais jovens e preconceituosos e quarentões sedentos por um par de coxas. Pediu uma bebida, cinzeiro e deliciou-se com o efeito da fumaça que escondia seu rosto. E ali ficou por uns bons 4 cigarros. Levantou-se, pagou e alimentou-se de cada passo pelas ruas, que nessa hora estavam um pouco mais agitadas do que quando chegou.
Instintivamente, estava sorrindo para as pessoas. Ato de sobrevivência? Simpatia? Seja qual opção for, era involuntário. Preencheu sua comanda e entrou como qual entrasse numa recepção VIP no Automóvel Clube. Disse um olá lascivo para o barman, pegou uma bebida e cada pedaço de seu corpo foi invadido pela música. Sua respiração e seu suor eram música. E percebeu não existir ninguém mais que fosse visível ali, naquele lugar que pouco mais de três horas após aberto estava insuportavelmente lotado.
*Srta. Leite

Um comentário:

roDRIGO C. disse...

"E ali ficou por uns 4 cigarros." Achei linda essa miudeza: contar o tempo por cigarros... reflexo breve de uma autora forte e delicada...